segunda-feira, 24 de agosto de 2009

é a mesma coisa. o mesmo sal, o mesmo furacão, a mesma torrente aparentemente estapafúrdia, não importa o que eu faça. não importa que eu amadureça, que eu medite, faça yoga, terapia duas vezes por semana, caminhe 60 minutos diários, coma rúcula, que eu emagreça, que eu engorde, que eu esteja aqui, que eu esteja na patagônia, que eu esteja sozinha, que eu esteja acompanhada, que seja inverno ou verão, o que realmente acontece independe desses financiamentos baratos da cura que me vendem desde muito. é rápido, preciso, e quando dou por mim já estou soterrada por toneladas de água, como a catedral de ys, aos dois minutos e meio do famoso prelúdio do debussy ou na décima terceira repetição de alguma música que fala para mim algo secreto do qual eu compartilho. não há para quem ligar nessa altura porque não há o que dizer. pior: tudo vem de uma palavra maldita, de um olhar esquerdio, de um tom de voz mal colocado, de uma cena simples no ponto de ônibus, de um cheiro que me remeta a uma memória incurada ou ao fundo musical da vida. quando isso acontece - e acontece tanto, meu deus, há tanto tempo - eu ainda me vejo com o mesmo vestido branco com flor azul-marinho numa esquina de vento forte, rodando, rodando e concluindo que a única coisa a fazer é esperar parar de ventar porque não era mais possível andar contrariamente ao que fosse naturalmente tão mais forte que eu. assim, a aprendizagem da paciência é lenta feito sua matéria, o tempo. aguardo com carinho agora que a neurologia me permite respirar. espero que dessa vez o espaço para o próximo afogamento seja largo e, nessa extensão, um lume novo surja e me admoeste por estar tentando cumprir com delicadeza, apesar de, a responsabilidade de estar viva.
todos os tormentos enfileirados dando conta de me inquirir pessoalmente acerca desses 29 anos. microdespertares intervalando minha vida, minha vida e o que eu preciso fazer. eu não consigo fazer com essa música me punindo desde 2001.

domingo, 23 de agosto de 2009

terça-feira, 18 de agosto de 2009

first breath after coma



os nomes das canções são ouro.

domingo, 9 de agosto de 2009

Os ombros estremecem-me com a inesperada onda dos meus
vinte e nove anos. Devo despedir-me de ti,
amanhã morrerei.
Talvez eu comece a morrer na tua mão direita,
alterosa e quente na minha mão
sufocada. Aqui mesmo na europa
começa a vagarosa iluminação das giestas. É a minha vida
percorrida por um álcool penetrante, é a imediata
atenção ao misterioso trabalho da idade.

Vinte e nove anos agora, na europa, sobre os canais
sombrios da carne, sobre um vasto segredo.
Será apenas isso, um ponto móvel
de eternidade, isto – a sufocação veloz e profunda
da vida inteira na minha garganta? E depois
o acender das luzes, bruxelas como uma câmara
de archotes e ao alto as ameias
enevoadas dos astros? Devo olhar com uma grande memória aquilo que acaba na violência triste
do poema.

Estamos nos quartos, há flores nas mesas. De babilónia
partem rios. Por detrás das cortinas,
despeço-me. Amanhã vou morrer. Tenho
vinte e nove bocas urdindo
a falsa doçura da confusão. Os países constroem
a torre sombria do amor. Dá-me a tua mão
pensativa e antiga, deixa que se queime ainda um instante
a loucura masculina
da minha vida. Pensa um pouco na beleza
ignota das coisas: peixes, flores, o sono terrível
das pessoas ou o seu respirar
que arde e brilha e se apaga à superfície
das lágrimas ocultas. Pensa um pouco no sorriso
rapidíssimo
que jamais desaparece do silêncio, na candeia
que cobre com agulhas de ouro os escombros
dos lírios. E por cima de tudo estende
a tua pequena mão eterna. Cai
tu própria na treva quente da minha
cega mão masculina de vinte
e nove
anos. Tenho vinte e nove anos ou uma onda
inesperada que me estremece a carne ou a minha garganta
cheia de sangue actual – amanhã morrerei.

Vi um dia alguém tomar nas mãos, entre faúlhas
velozes, pedras que pareciam
imortais. Eram casas que se levantavam
sobre o meu coração. Vi que tomavam
animais feridos, flores imaturas, objectos
breves, imagens instantâneas e perdidas. Faziam
alguma coisa eterna. Era gente
de vinte e nove anos que se despedia dolorosa
pormenorizada
violentamente de uma parte de sua carne, a parte
mais iluminada de sua
carne de vinte e nove anos. Amanhã
morrerei.


Herberto Helder.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009




roubo declarado do Bernardo.
"As coisas que a literatura pode buscar e ensinar são poucas, mas insubstituíveis: a maneira de olhar o próximo e a si próprios, de relacionar fatos pessoais e fatos gerais, de atribuir valor a pequenas coisas ou a grandes, de considerar os próprios limites e vícios e os dos outros, de encontrar as proporções da vida e o lugar do amor nela, e sua força e o seu ritmo, e o lugar da morte, o modo de pensar ou de não pensar nela; a literatura pode ensinar a dureza, a piedade, a tristeza, a ironia, o humor e muitas outras coisas assim necessárias e difíceis. O resto, que se vá aprender em algum outro lugar, da ciência, da história, da vida, como nós todos temos de ir aprender continuamente."

Ítalo Calvino.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Quando a distante
prata, rondada
também pelo vôo dos homens, sem
chegar entrava,
redonda,
e nos olhava com olhos de olhar:

então
a palavra dor era uma taça de onde
subia ao nosso encontro a palavra
alegria - subia,
subia e passava por nós, subia
até nós dois, sob
o telhado,
até à cama onde a noite,
mestra
dos nossos corpos, esperava silenciosa, o seu
fundo, negro como o coração, cheio
da manhã.

Paul Celan. A Morte é uma Flor - poemas do espólio. Tradução de João Barrento.


you wanna speak like angels but you can´t.