segunda-feira, 9 de julho de 2012

Mariana III



sabes quando chega a hora de sair
e uma imagem nua do que somos
acompanha mesmo o peso das extremidades?
São quatro mãos perfumadas por temperos
e dois vértices para onde desistimos
e podemos apenas nos diluir.

domingo, 1 de julho de 2012

Poema dedicado a Maria Luíza




Eu te quero a ti e somente,
Eu que compreendia a beleza das prostitutas e dos portos,
Que sofri a violência da solidão no meio das multidões das grandes ruas,
Que vi paisagens do céu erguidas sobre a noite do mais alto e puro mar,
Que errei por muito tempo nos jardins deliciosos dos amores incertos e obscuros.

Eu te quero a ti sempre e somente.
Eu te quero a ti pura e tranqüila
Preciosa entre todas as mulheres
Que como rosas, como lírios, sobre mim se debruçaram,
Entre aquelas que de mim se aperceberam
Ao doce esmaecer das tardes luminosas.
Eu te quero a ti pura e tranqüila.
Nos espelhos da memória refletida
Pelas horas do meu tempo transpareces
E o Sol do meu deserto te ilumina
E a noite do meu sono te adormece.
Eu te pressinto no silêncio das verdades que ignoro,
No silêncio e no delírio dos desejos impossíveis:
através de um céu sem nuvens, do céu que é um prisma azul
Eu te revelarei a cor da tempestade
E a refração serena do meu mais íntimo segredo...

Em horizontes de ouro e de basalto
Indicarei o teu caminho
Entre flores de luar...
Farei uma lenda sobre teus cabelos...
Soneto Somente
Nasci na várzea do Capibaribe
De terra escura, de macio turvo,
De luz dourada no horizonte curvo
E onde a água doce, o massapê proíbe.

Sua presença para mim se exibe
No seu ar sereno que inda hoje absorvo,
E nas noites, com negridão de corvo.
Antes que ao porto do seu céu arribe

A lua. Assim só tenho essa planície...
Pois tudo quanto fiz foi superfície
De inúteis coisas vãs, humanamente.

De glórias e de alturas e universos
Não tenho o que dizer nestes meus versos:
– Nessa várzea nasci, nasci somente.


Joaquim Cardozo

quinta-feira, 28 de junho de 2012

BR 101

Eu acho que foi em algum conto da Márcia Denser que uma vez eu li: "eu sou uma mulher entremeada". Eu não vou fuçar a fonte agora porque meus livros - faz uns 4 meses - estão encaixotados na desordem do meu tempo. Os textos, nesse sentido, estão como a minha vida, na divisão de uma reta traçada entre o Rio e a Bahia. Quando estou no Rio, como agora, sinto já saudade da minha casa a nascer: da louça do dia-a-dia, da visão do céu na outra cidade e dos rostos que começo a saber como os escolhidos e os preferidos de se ver. Quanto estou na Bahia, meu amor é via skype porque é distante tudo e pareço sentir apenas uma grande falta: acho que são os olhos da afeição e do lugar seguro querendo porto, ou mar. A minha subjetividade sagitariana sabe que, afinal, não há lugar certo e que a aposta na Bahia é de força, mas eu seria leviana se negligenciasse também o meu desejo de conforto e de congregação. Semana que vem eu volto pra Amargosa e vou reunir as meninas todas pra uma feijoada ou pra um almoço. Porque quero repartir com elas essa minha divisão entremeada. Quero convidá-las para a cozinha que é o mote para a quentura dos afetos. Quero reunir à mesa e que a mesa esteja rodeada de gente forte e líquida. Porque Amargosa - isso me apascenta o coração - é uma cidade feminina.


domingo, 13 de maio de 2012

os dias sob os quintais

em minha casa há dois quartos vazios
que disputam a melhor coloração para
os lagartos da tarde no que resta do jardim.
o feijão no fogo, a sua quantidade e eu
somos um volume silencioso que se alinha
ao motor de uma bomba de água, ao movimento das aves
sobre o vento e o caminho interno de duas ou três vozes
que sempre estiveram no interstício dos quartos ou
à sala entre os ladrilhos por onde caem fios escuros de mim
comigo.




sexta-feira, 11 de maio de 2012

a quen direy o meu pesar? (D. Dinis)

domingo, 15 de abril de 2012

cartilha materna da distância:

salgar a casa quando chegar
invocar o anjo da guarda em seu nome
embeber um pano de linho em água corrente
para limpar a cama, o quarto e ser nova
sem adoecer de bicho ou melancolia.

domingo, 1 de abril de 2012

Antífona (outra bittersweet symphony)





à ti ofereço novas
sou oficialmente atravessada
pelas instâncias das curvas
outra e mesma dos dias que
bordo em saia branca
estou aqui para ti em carne
aguardando a filiação perdida
na terra em que jazem todos os
buritis
como assinar o meu nome nesse
dia de vésperas? como
provar a espera e derramar a sua
monstruosidade sem molhar as rodovias?
aceno para frente e recebo a páscoa
em atabaques. são novas.
a luz (daqui) me cega de sentir.