você entrou no trem
e eu na estação
vendo um céu fugir
também, não dava mais
para tentar
me convencer
a não partir
para ver outras paisagens
e o meu coração, embora,
finja fazer mil viagens
fica batendo, parado,
naquela estação.
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013
Retrato com sombra
Que morte é a sombra deste retrato,
onde eu assisto ao dobrar dos dias,
órfão de ti e de uma aventura suspensa?
Tu não eras só este perfil.
Tu não eras só este sossego aconchegado
nas mãos como num regaço.
Tu não eras apenas
este horizonte de areia com árvores distantes.
Falta aqui tudo o que amámos juntos,
o teu sorriso com as ruas dentro,
o secreto rumor das tuas veias
abrindo sulcos de palavras fundas
no rosto da noite inesperada.
Falta sobretudo à roda dos teus olhos
a pura ressonância da alegria.
Lembro-me de uma noite em que ficámos nus
para embalar um beijo ou uma lágrima,
lutando, de cortadas, até romper o dia,
largo, intacto,
nas pálpebras molhadas dos lírios.
Tu não eras ainda este perfil
com uma rosa de cinza na mão direita.
Eu andava dentro de ti
como um pequeno rio de sol
dentro da semente,
porque nós – é preciso dizê-lo –
tínhamos nascido um dentro do outro
naquela noite.
Esse é o teu rosto verdadeiro;
aquele rosto que vou juntando ao teu retrato
como quando era pequeno:
recortando aqui,
colando ali,
até que uma fonte rasgue a tua boca
e a noite fique transbordante de água.
Eugénio de Andrade in: "As palavras interditas".
onde eu assisto ao dobrar dos dias,
órfão de ti e de uma aventura suspensa?
Tu não eras só este perfil.
Tu não eras só este sossego aconchegado
nas mãos como num regaço.
Tu não eras apenas
este horizonte de areia com árvores distantes.
Falta aqui tudo o que amámos juntos,
o teu sorriso com as ruas dentro,
o secreto rumor das tuas veias
abrindo sulcos de palavras fundas
no rosto da noite inesperada.
Falta sobretudo à roda dos teus olhos
a pura ressonância da alegria.
Lembro-me de uma noite em que ficámos nus
para embalar um beijo ou uma lágrima,
lutando, de cortadas, até romper o dia,
largo, intacto,
nas pálpebras molhadas dos lírios.
Tu não eras ainda este perfil
com uma rosa de cinza na mão direita.
Eu andava dentro de ti
como um pequeno rio de sol
dentro da semente,
porque nós – é preciso dizê-lo –
tínhamos nascido um dentro do outro
naquela noite.
Esse é o teu rosto verdadeiro;
aquele rosto que vou juntando ao teu retrato
como quando era pequeno:
recortando aqui,
colando ali,
até que uma fonte rasgue a tua boca
e a noite fique transbordante de água.
Eugénio de Andrade in: "As palavras interditas".
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