abres o mapa da europa e
assinalas o lugar perdido junto ao mar - o sol
fulmina a narceja e o leite sábio das mães
coalhou num sabor a plâncton e húmus
na floresta da janela virada ao mar
secaram os goivos dos navegantes e um cardo amarelo
irrompeu hirsuto e firme - o tempo chuvoso
alastra pelas ruelas insinuando-se na alma
uma babugem grossa de maresia - a europa afasta-se
com seus falhanços ao som dos tambores de água
recordas assim a noite varada à porta dos grandes frios
o corpo carbonizado que perdeu a nacionalidade
as cidades sem nome o acidente a auto-estrada
o recado deixado no café a cerveja entornada
o alarme na noite a fuga
a terra dos gelos eternos a viagem sem fim a faca
rente ao pescoço e os comboios e a ponte ligando
a treva à treva
um país a outro país - onde dissemos coisas que matam
e largam rastros de aço nas pálpebras
mas
no cansaço da torna-viagem no desalento de tudo
o mapa da europa ficou aberto no sítio
onde desapareceste
ouço o atlântico uivando de abandono
enquanto os dedos se cansam a pouco e pouco
na lenta escrita de um diário - depois
fecho o mapa e vou
pela crueldade desta década sem paixão.
Al Berto, "Mapa", de Horto de Incêndio.
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