"Opalas"
A espera desmancha o
bronze nos meus cabelos
desvia a lonjura das máquinas
para o deserto e eu opero
uma transformação conhecida
de acordar sempre no que se
desfaz das vozes e das estradas.
não é digno de rememorar
o nome, a odisséia excusa
no equilíbrio sobre as palafitas
ou uma lava de castanho atravessando a
insuficiência
do amor e da salvação no término
de uma trança adulta que se desfaz
para em mim vingarem os açudes
os vulcões as coxas entreabertas no
domingo e
o sol.
e se dobrarem os membros no
aguardo da safra mitológica
em ninho sedimentada
vai desejar um mundo aquela casa,
uma flor dentro do copo ao lado dos grampos
sobre uma região tornada pedra
carro espera
uma habitação possível do esquecimento.
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
domingo, 25 de outubro de 2009
A tristeza cortesã me pisca os olhos
Eu procuro o mais triste, o que encontrado
nunca mais perderei, porque vai me seguir
mais fiel que um cachorro, a tristeza sem verbo.
Eu tenho três escolhas: na primeira, um homem
que ainda está vivo à borda de sua cama me acena
e fala com seu tom mais baixo: "reza pra eu dormir, viu?"
Na outra, sonho que bato num menino. Bato, bato,
até apodrecer meu braço e ele ficar roxo. Eu bato mais
e ele ri sem raiva, ri pra mim que nele.
Na última, eu mesma engendro este horror:
e sirene apita chamando um homem já morto
e fica de noite e amanhece, ele não volta
e ela insiste e sua voz é humana.
Se não te basta, espia:
eu levanto o meu filho pelos órgãos sensíveis
e ele me beija o rosto.
Adélia Prado. Poesia Reunida.
Eu procuro o mais triste, o que encontrado
nunca mais perderei, porque vai me seguir
mais fiel que um cachorro, a tristeza sem verbo.
Eu tenho três escolhas: na primeira, um homem
que ainda está vivo à borda de sua cama me acena
e fala com seu tom mais baixo: "reza pra eu dormir, viu?"
Na outra, sonho que bato num menino. Bato, bato,
até apodrecer meu braço e ele ficar roxo. Eu bato mais
e ele ri sem raiva, ri pra mim que nele.
Na última, eu mesma engendro este horror:
e sirene apita chamando um homem já morto
e fica de noite e amanhece, ele não volta
e ela insiste e sua voz é humana.
Se não te basta, espia:
eu levanto o meu filho pelos órgãos sensíveis
e ele me beija o rosto.
Adélia Prado. Poesia Reunida.
terça-feira, 6 de outubro de 2009
Afinal,
[este texto ia sair ao fim do livro, como parte (pretensamente) explicativa do que é escrever poesia, no meu mundo. acabou não saindo porque eu preferi deixar que o livro por si mesmo se mostrasse. talvez faça falta no sentido de me colocar num lugar de simplicidade, não de um modo puramente adeliano, mas entre aspectos de um punho radicalizado no real, que acorda, sofre, cozinha, ama, cuida, trabalha e trabalha muito (sobre) as escritas e deseja ardentemente encontrar um modo suportável e, quem sabe, belo, de enfrentar o mundo.]
A poesia sempre esteve, pelo menos para mim, num lugar onde fosse possível falar de duas experiências básicas: a da comoção e do desolamento. A extensão do que se mostra entre uma e outra também me faz estar em zonas limítrofes para dizer e para sentir. Escrever e publicar não eram palavras que pudessem estar juntas, e desde muito tempo sabia que a exposição tanto da comoção quanto do desolamento poderiam ameaçar essas réplicas (frágeis como pétalas) dadas ao mundo. É recente, portanto, a confiança de que o que escrevo pode me fortalecer ao ponto de ultrapassar lugares, cadáveres, vivos. Desse modo, a minha escrita funciona(ria) como algo que se ergue sólido e firme como triunfo para os meus olhos cansados. É crente, como eu sou crente, de que nela há alguma salvação profana e também um lugar no qual vislumbro uma beatitude concreta como se, a partir dela, eu desejasse dialogar com os meus irmãos de misérias e assombros. A poesia é apenas um modo particular de enfrentar o mundo, de através de um universo microscópico estar à deriva com tantos outros: é como dar as mãos e ser recolhida para um lugar no qual gigantes de humanidade estiveram, e por lá eu pudesse desfrutar de uma compreensão fraterna, uma aquiescência amorosa. Este livro é, portanto, um fim, um retorno, uma porta de saída – corpo todo manifesto e uma chegada - vislumbre, lume: é a minha casa.
A poesia sempre esteve, pelo menos para mim, num lugar onde fosse possível falar de duas experiências básicas: a da comoção e do desolamento. A extensão do que se mostra entre uma e outra também me faz estar em zonas limítrofes para dizer e para sentir. Escrever e publicar não eram palavras que pudessem estar juntas, e desde muito tempo sabia que a exposição tanto da comoção quanto do desolamento poderiam ameaçar essas réplicas (frágeis como pétalas) dadas ao mundo. É recente, portanto, a confiança de que o que escrevo pode me fortalecer ao ponto de ultrapassar lugares, cadáveres, vivos. Desse modo, a minha escrita funciona(ria) como algo que se ergue sólido e firme como triunfo para os meus olhos cansados. É crente, como eu sou crente, de que nela há alguma salvação profana e também um lugar no qual vislumbro uma beatitude concreta como se, a partir dela, eu desejasse dialogar com os meus irmãos de misérias e assombros. A poesia é apenas um modo particular de enfrentar o mundo, de através de um universo microscópico estar à deriva com tantos outros: é como dar as mãos e ser recolhida para um lugar no qual gigantes de humanidade estiveram, e por lá eu pudesse desfrutar de uma compreensão fraterna, uma aquiescência amorosa. Este livro é, portanto, um fim, um retorno, uma porta de saída – corpo todo manifesto e uma chegada - vislumbre, lume: é a minha casa.
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