terça-feira, 6 de outubro de 2009

Afinal,

[este texto ia sair ao fim do livro, como parte (pretensamente) explicativa do que é escrever poesia, no meu mundo. acabou não saindo porque eu preferi deixar que o livro por si mesmo se mostrasse. talvez faça falta no sentido de me colocar num lugar de simplicidade, não de um modo puramente adeliano, mas entre aspectos de um punho radicalizado no real, que acorda, sofre, cozinha, ama, cuida, trabalha e trabalha muito (sobre) as escritas e deseja ardentemente encontrar um modo suportável e, quem sabe, belo, de enfrentar o mundo.]


A poesia sempre esteve, pelo menos para mim, num lugar onde fosse possível falar de duas experiências básicas: a da comoção e do desolamento. A extensão do que se mostra entre uma e outra também me faz estar em zonas limítrofes para dizer e para sentir. Escrever e publicar não eram palavras que pudessem estar juntas, e desde muito tempo sabia que a exposição tanto da comoção quanto do desolamento poderiam ameaçar essas réplicas (frágeis como pétalas) dadas ao mundo. É recente, portanto, a confiança de que o que escrevo pode me fortalecer ao ponto de ultrapassar lugares, cadáveres, vivos. Desse modo, a minha escrita funciona(ria) como algo que se ergue sólido e firme como triunfo para os meus olhos cansados. É crente, como eu sou crente, de que nela há alguma salvação profana e também um lugar no qual vislumbro uma beatitude concreta como se, a partir dela, eu desejasse dialogar com os meus irmãos de misérias e assombros. A poesia é apenas um modo particular de enfrentar o mundo, de através de um universo microscópico estar à deriva com tantos outros: é como dar as mãos e ser recolhida para um lugar no qual gigantes de humanidade estiveram, e por lá eu pudesse desfrutar de uma compreensão fraterna, uma aquiescência amorosa. Este livro é, portanto, um fim, um retorno, uma porta de saída – corpo todo manifesto e uma chegada - vislumbre, lume: é a minha casa.

Um comentário:

  1. Querida,
    Como é feliz esta manhã de sábado cinza e vazia quando acbo de ler isto que escreveu. A concreção arte e vida. poesia e louça suja. obrigada pelas palavras, me sinto mais gente agora.

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