segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Carta para Sebastião

Quando uma música começa muito barulhenta
é porque sua urgência precede a harmonia,
uma voz de neve teve de ser sacrificada para
que os repetidos nós não golpeassem
até o fim
a vida diminuta e inútil dos intensos.
Falo contigo destas canções sem que
conheça perfeitamente a teoria desse
mundo
embora isso já o saibas porque estás
ao lado, tão próximo que, se estendo
um livro, ele deita no teu peito
desperta conosco
para que um poema sobre nós esteja
pressentido.
De um encontro longínquo vêm outras
músicas fundas, e são alimento integral
para os que crêem em misericórdia como
nós
porque falo contigo das nossas luas
dos conhecidos que morrem onde
fazemos fotografias e da lonjura
que alcança a nossa voz silenciosa
de estar indignados mesmo conscientes
quando a imagem de um Homem
nos comove e tão rapidamente
desaparece.
Quando sentamos à mesa, juro, não
há como não sentir as vibrações da
amizade, a força extensa do fogo, a
nascedura da água e a terra doméstica
cruzando o que de amor colocamos
no pão
talvez porque conheças a língua de que
falo a música e a música de ti fale uma
história de faltas e de migrações
desfeitas desde que nascemos tão
separadamente no mapa de uma foz.
Há lugares que se ocupam de vazios
depois de tanta travessia, e de montes
rochas e poeiras ganhamos céus, corpos
em abraços, sementes e palavras que
nos inauguram novos pés. E, Sebastião,
se falo contigo do mundo é porque
também não o sei diferente desta dificuldade,
mas o desejo para nós com humanidade que
nos cintile e que, tenhamos uma tarefa ou não,
possamos seguidamente receber
os que amamos nas nossas terras nas
nossas mesas e nas nossas camas como
um Bem precioso da fraternidade e do
Amor mesmo
entre nós.

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