quarta-feira, 22 de julho de 2009

Minha Órfã

Porque não quis te olhar, ficaste cega.
Sei que esperas por mim
desde o tempo em que usavas tranças e brincavas com arco.

Sei que esperas por mim,
mas eu não quis te olhar
porque me debrucei sobre o mito de outras,
porque não me sabes dar, pobre amiga,
o sofrimento e a angústia que formam a catástrofe.

Roxelane, Roxelane:
porque tens olhar morto e cabelos sem brilho,
boca sem frescura e sem expressão,
eu te desenhei e não ouvi teu apelo,
teu último apelo vindo da solidão e da infância remota.

Roxelane, Roxelane:
tua tristeza recairá sobre mim, assumirei tua orfandade,
conhecerás o gozo e verás desdobrar-se a esperança.
enquanto eu recolherei para sempre
a tua, a minha e a miséria de outros,
triste e apagada Roxelane, vitoriosa Roxelane.

Murilo Mendes. As Metamorfoses.

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