domingo, 25 de outubro de 2009

A tristeza cortesã me pisca os olhos

Eu procuro o mais triste, o que encontrado
nunca mais perderei, porque vai me seguir
mais fiel que um cachorro, a tristeza sem verbo.
Eu tenho três escolhas: na primeira, um homem
que ainda está vivo à borda de sua cama me acena
e fala com seu tom mais baixo: "reza pra eu dormir, viu?"
Na outra, sonho que bato num menino. Bato, bato,
até apodrecer meu braço e ele ficar roxo. Eu bato mais
e ele ri sem raiva, ri pra mim que nele.
Na última, eu mesma engendro este horror:
e sirene apita chamando um homem já morto
e fica de noite e amanhece, ele não volta
e ela insiste e sua voz é humana.
Se não te basta, espia:
eu levanto o meu filho pelos órgãos sensíveis
e ele me beija o rosto.

Adélia Prado. Poesia Reunida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário