terça-feira, 22 de janeiro de 2013

zona norte

não era adeus era
uma forma mais bruta
de se cansar da vida
não era perder porque
perdido muito já se sentia
tampouco era verão no
que seguia o curso de uma
avenida
éramos só nós duas selando
um arremesso como se eu só
pedisse clemência e abrisse
o sinal para outra curva.
não foi distância. foi um
corpo abaixo da sombra,
entre o suor temperado de
carne e a direção que não
pude indicar ao motorista
quando tomei aquele táxi
e te deixei ali para que
voasses para o retorno em que
exatamente te perdi.









tantas vezes fui à igreja matriz
para pedir dinheiro, vagas e depois
a tua ida. na escadaria da penha
os degraus são calçados pelo peso
de quem carrega velas, dores e fitas
e nessa sorte sempre te levei comigo.
foram anos de longo subir. não sei
como se volta ao cimo duma pedra
depois que se sai da espera. lembro
apenas do nascimento de uma montanha
dessa imagem de paciência e calor no
seu núcleo.
os pés dos peregrinos são um retrato
exato do que pedem: sobre ti nunca
ultrapassei a nave dos mortos. e o
que inventei mesmo foi uma passagem
sem guia. algo como o que o orixás
e os santos levam nas mãos: um espelho
uma adaga uma rosa
por vezes uma chave sem rituais
ou aquilo que atravessa o corpo
depois da lança.



as fotografias de meses atrás acovardam
uma lápide sobre nós.




e na volta estavam lá
os calçados azuis
ao lado da cama
como se você estivesse sempre
para chegar.


2 comentários:

  1. Sensibilidade intensa, leveza direta, um visceral que apresenta a vida... Adorei o "zona norte". Me lembrei de mim pela vida, nos rumos que estiveram me guiando um dia. Bonito - é o teu texto, mas, mais bonito é o que desperta na gente, por dentro e de vida.

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